O TEXTO NO CONTEXTO COMO PRETEXTO - Para debates em família e na escola - Roberto Gameiro

SOBRE FÉRIAS DE VERÃO, FAMÍLIAS E SANIDADE PARENTAL - ANA RITA DIAS


Ana Rita Dias (*)


Vou colocar isto da forma mais clara e directa possível, numa tentativa de fazer reflectir e sem qualquer objectivo de ferir susceptibilidades:


Se os ex-casais com filhos, pela força das circunstâncias, acabam por ter tempo para si mesmos, individualmente, porque é que tantos casais que estão juntos e que assim querem permanecer, não arranjam forma nenhuma de o fazer?

 

Porque é que aos filhos de pais separados acaba por haver uma adaptação de não estarem sempre com os dois e, aos filhos de pais juntos, é tão frequente não pode haver adaptação nenhuma, sem que isso seja sentido com tanta culpa ou como algo completamente desadequado?


Porque é que é preciso as pessoas se apoiarem na tal força das circunstâncias para sentirem que podem, que é possível?


Com a aproximação das férias, este é um tema recorrente nas minhas consultas. As mães e os pais amam os filhos. As mães e os pais não trocariam a existência deles por nada. As mães e os pais não têm pressa que eles cresçam porque sabem que vão ter saudades, inclusive do cansaço e da loucura que uma gestão familiar pode trazer aos nossos dias. 


Mas as mães e os pais são, em primeiro lugar, pessoas. Pessoas individuais com necessidades individuais, necessidades de casal, necessidades familiares. Todas elas cabem na mesma pessoa. Todas elas são legítimas. E são muitas as mães e muitos os pais que me dizem que estão demasiado cansados e que já sabem que nas férias com filhos não vão propriamente descansar. E que saem das férias ainda mais cansados.


Aos pais e casais que não sentem nenhuma necessidade do seu espaço individual, está tudo certo, e este texto não é para eles. Pelo que também se agradece a não necessidade aqui da retórica de que "eu não preciso, eu sou muito feliz 24 horas por dia com os meus filhos e embora cansados é assim que nos faz sentido". Mais uma vez, tudo certo.


Sucede que, como psicóloga, eu sei que a maioria sofre com isto. Sei que a maioria interiorizou uma ideia de família e de relação de casal que parece não se coadunar com nenhuma ou quase nenhuma individualidade.

 

Aos pais que, estando juntos, e não tendo propriamente motivos como um divórcio para se revezarem com os filhos, não parece ser dado o direito de terem momentos sem filhos. 


Se não há avós ou outros apoios, não parece ser possível, entre eles, combinarem de forma a se a apoiarem um ao outro quando isso implica um deles estar sozinho e o outro ficar com os filhos.


E eu pergunto: porquê?


Faço sugestões. Por exemplo, se um casal estiver uma semana no Algarve com os filhos, porque não combinarem que nessa semana, uma das manhãs será só para ela e uma das manhãs será só para ele? Nessa manhã, à vez, um dos pais fica com os filhos na praia, na piscina, onde quiser e o outro vai sozinho para onde quiser também. Ler o seu livro, conhecer outra praia ou quem sabe dormir a manhã toda. Sem culpas. Com merecimento.


Têm todos os outros momentos da semana para estarem em família.

 

Será que algo assim é imensamente descabido?


E se me perguntam o que vão achar os filhos disso, eu respondo que os filhos vão crescer a interiorizar um modelo de família diferente. Um modelo de família em que as pessoas são mais felizes juntas porque se permitem a não estar sempre juntas. Um modelo de família em que uma mãe, por exemplo, não tem de ter trabalho ou tarefas domésticas para não estar com os filhos.

 

Porque sobretudo às mães, parece ter sempre de haver uma razão maior. Descansar, ler, divertir-se, estar consigo mesma não parece ser suficientemente válido.


Um modelo em que essa mãe, sendo maioritariamente presente para com os filhos, por isso é que é mãe, não abdica de si mesma. Quantas mães e quantos pais estão fisicamente presentes mas sempre em esforço, sempre em ausência emocional? É isso o melhor?

 

Quando é que vamos começar a ser mais honestos sobre isto tudo? Quando é que vamos admitir que o amor que sentimos pelos nossos filhos em nada se relaciona com aquilo que precisamos para manter a nossa sanidade e que há alturas que precisamos de estar sem eles? Para estarmos melhor com eles.


Quando é que vamos assumir que efectivamente um divórcio traz a tantas pessoas um equilibrio entre necessidades familiares e necessidades individuais que nem sabíamos existir? Quando é que vamos olhar para as relações de casal de uma forma mais consciente, madura, verdadeira? Sem tantas amarras, cobranças ou obrigações intermináveis?

 

Acredito, aliás, que fazê-lo, poderia evitar muitas rupturas, muitos divórcios. Sabemos que é após as férias de verão que muitos casais se separam. Não é por acaso. A constatação do quanto as férias não são férias ou o não se poder fugir a uma dinâmica e convivência que se pode tornar asfixiante, pode fazer um copo muito cheio transbordar.


Então sugiro, apelo, tento fazer reflectir, sem julgar. As férias estão à porta para inúmeras famílias. Sejam mais meigos convosco próprios e com os que amam. Não há nada de errado em verdadeiramente desligar. Nem que seja uma manhã numa semana.

 

Dar espaço e pedir espaço também cabe no amor.


(*) Ana Rita Dias, portuguesa, psicóloga clínica, residente em Viana do Castelo (PT), publicou este texto na sua página do Facebook. Escrito segundo os acordos ortográficos de Portugal.


Publicado com autorização da autora.


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